Covid na Favela - Rio de Janeiro
A Pandemia e o Pós-Pandemia da Covid-19 no alcance da Agenda 2030 em populações vulneráveis moradoras de núcleos de favela
Relato da pesquisadora Rogéria Nunes sobre o massacre nos Complexos do Alemão e da Penha
A mais recente operação policial na Maré deixou uma criança baleada dentro da escola. Diante de mais essa tragédia, as palavras da pesquisadora Rogéria Nunes, que coordena o núcleo RJ do Projeto Pós-Covid e as Favelas Brasileiras, seguem ecoando com força:
Como pensar e fazer saúde nessas condições?
Não é só sobre os corpos no chão. É sobre o medo, o trauma, a violação cotidiana do direito de viver.
Seguimos visibilizando as vozes do território e denunciando as violências que insistem em silenciar as favelas.
Relato de Júlio, morador do Morro do Alemão, após o massacre nos Complexos do Alemão e da Penha
Depois da nota síntese, iniciamos hoje a publicação de uma série de vídeos curtos com trechos da reunião do Projeto Pós-Covid e as Favelas Brasileiras, realizada no dia 30 de outubro, dois dias após o massacre nos Complexos do Alemão e da Penha no Rio de Janeiro.
Neste primeiro fragmento, ouvimos Júlio (@boaventurajuliocesa), morador do Morro do Alemão, agente comunitário de saúde e atuante na pesquisa pelo núcleo do RJ.
Ouçam as vozes do território que constroem saber e ação coletiva!
NOTA PÚBLICA
O projeto “Covid e as Favelas Brasileiras”, composto por universidades e lideranças comunitárias em todo o país, vem a público expressar profundo repúdio à operação policial, realizada em 28 de outubro de 2025, nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, que resultou na morte de mais de 120 pessoas, em sua maioria homens, jovens moradores, até o momento de escrita desta nota, sob a justificativa da falaciosa “guerra às drogas”.
Trata-se, mais uma vez, da legitimação de uma política de extermínio que tem cor, classe e território bem definidos: a juventude negra e periférica segue sendo morta em nome da ordem.
O que aconteceu ontem nos Complexos do Alemão e da Penha, assim como em tantas outras ações policiais nas favelas, não pode ser tratado como mero “confronto”. É a expressão de uma política sistemática de extermínio, historicamente dirigida contra corpos negros, pobres e periféricos.
Sob a retórica da “guerra às drogas”, o Estado legitima incursões violentas, sem controle e sem responsabilização, que ignoram direitos humanos e transformam territórios inteiros em zonas de exceção. Nos últimos anos, dados do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF) indicam que entre 2007 e 2021 foram realizadas 17.929 operações policiais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, das quais 593 resultaram em chacinas, com 2.374 pessoas mortas. Somente em 2025, até o momento, já foram registradas mais de 350 mortes decorrentes de ações policiais no estado. Esses números evidenciam que a política de incursões letais é recorrente, seletiva e ineficaz: não enfraquece o poder armado nem desmonta as estruturas do tráfico, servindo antes como instrumento de controle e intimidação da população favelada.
Como apontam Abdias do Nascimento e Sueli Carneiro, essa guerra é seletiva: não se veem operações desse tipo nos bairros nobres e brancos, onde também circulam drogas e armas.
O aparato policial não age isoladamente, ele é parte de uma engrenagem mais ampla, que envolve política, mídia, sistema judiciário e interesses econômicos. A violência se converte em mecanismo de controle social, operando para manter uma ordem fundada na desigualdade.
Rejeitamos, portanto, a naturalização dos massacres promovidos pelo Estado e, neste caso específico, pelo governo de Cláudio Castro, responsável por mais essa ofensiva sangrenta em territórios historicamente negligenciados, onde políticas públicas chegam pelas mãos armadas da polícia, e não por meio do acesso à saúde, à educação, à cultura e à dignidade.
A militarização da vida nas favelas é inaceitável e afronta os princípios constitucionais e os tratados internacionais de direitos humanos. A dimensão e a sistematicidade dessas ações configuram violações graves e generalizadas contra a população civil, que podem ser qualificadas como crimes de Estado e crimes contra a humanidade, exigindo investigação independente e responsabilização imediata dos agentes e das autoridades envolvidas. A sociedade precisa compreender que ações armadas irresponsáveis apenas fortalecem o crime e solapam nosso senso de comunidade moral, além de produzirem injustiças e revolta que retornam esgarçando ainda mais o tecido social. O combate ao crime deve se pautar por evidências e priorizar o trabalho de inteligência e ações coordenadas entre atores.
Esta nota é também um grito coletivo, construído com e a partir das vozes que movem nosso projeto no Rio de Janeiro: Lúcia Cabral, Isabela Nascimento e Julio Cesar Boaventura, moradores do Complexo do Alemão. Esta equipe de pesquisadores e militantes incansáveis, que contam ainda com o apoio fundamental das pesquisadoras Nilza Rogéria e Andréa Silva, que fortalecem a articulação entre os territórios e a produção de conhecimento comprometido com a transformação social. Juntos, transformam dor em mobilização, expressando a potência das periferias - especialmente das mulheres negras - na luta por justiça, memória e por políticas públicas que defendam e valorizem a vida.
Assim, reafirmamos: vidas faveladas importam.
Reivindicamos o fim imediato das operações letais, justiça para os mortos e o compromisso efetivo com uma política de segurança pública que respeite os direitos humanos e enfrente as raízes estruturais da violência no Brasil.
Instituições:
Projeto “Covid e as Favelas Brasileiras”
CESCO - Centro de Estudos de Saúde Coletiva/FMABC
Departamento de Serviço Social da PUC-RIO
Grupo de Pesquisa Associativismo, Contestação e Engajamento (GPACE/UFRGS)
Grupo de Pesquisa: Clínicas de Território: saúde, cultura e psicanálise/UFRGS.
Grupo de Trabalho da ANPEPP - A psicologia sócio-histórica e o contexto brasileiro de desigualdade social
Harambee - Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde da População Negra/UFRGS
Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde na Amazônia - ILMD Fiocruz Amazônia
Laboratório de Políticas Públicas, Ações Coletivas e Saúde da UFRGS (LAPPACS/UFRGS)
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFRGS
Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD)
Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos - MTD/Goiás
Núcleo de Estudos e Pesquisa Trabalho, Políticas Públicas e Serviço Social - TRAPPUS/ PUC-Rio
Pessoas físicas
Anna Cristina Rodopiano - Faculdade de Saúde Pública/USP
Cecília Kayano Morais - CESCO / Centro de Estudos de Saúde Coletiva da FMABC
Cristianne Maria Famer Rocha - EENFSC/UFRGS
Daniel Umpierre - EENFSC/UFRGS
Dario Frederico Pasche - Departamento de Saúde Coletiva - UFRGS
Eduardo Magalhães Rodrigues - Centro de Estudos de Saúde Coletiva (CESCO) / FMABC.
Elis Borde – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) / Observatório de Saúde Urbana de
Belo Horizonte (OSUBH)
Fernanda Bairros - PPGCol e PROFSAÚDE/UFRGS
Fernanda Carlise Mattioni - EENFSC/UFRGS
Fernanda Mendes Lages Ribeiro - Psicologia PUC-rio e CLAVES/ENSP/FIOCRUZ
Frederico Viana Machado - Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da UFRGS
Gladson Rosas Hauradou - (Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão - Trabalho, Saúde e Serviço
Social/Neptrass do Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia/ICSEZ da
Universidade Federal do Amazonas E-mail:gladson@ufam.edu.br/UFAM)
Guilherme Dornelas Camara - PPGCOl/UFRGS
Jéssica Teles Schlemmer - Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFRGS
Jacqueline Rodrigues de Lima, Faculdade de Enfermagem/UFG
Laura Cecilia López - Departamento de Saúde Coletiva da UFRGS e Programa de Pós-graduação em
Saúde Coletiva da UFRGS
Liane Beatriz Righi -Departamento de Saúde Coletiva da UFSM/ Abrasco
Luciana Barcelos Teixeira - Programa Mais Saúde com Agente e PPG em
Epidemiologia da UFRGS
Maíra Lopes Almeida, Faculdade de Educação, UFG
Márcia Botão - Departamento de Serviço Social - PUC-Rio
Márcia Regina de Oliveira Pedroso - Universidade Federal de Goiás (UFG)
Marcelo Kunrath Silva - Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS
Marco Akerman - FSP/USP
Maria Cristina Costa Marques - FSP/USP
Maria Goretti Queiroz, Faculdade de Odontologia, UFG
Marilise Mesquita - EENFSC/UFRGS
Matheus Mazzilli Pereira - Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS
Mirna Frota - PPGSC/UNIFOR
Monica Silva Dias - Centro de Estudos de Saúde Coletiva (CESCO) / FMABC.
Monika Weronika Dowbor - Departamento de Saúde Coletiva da UFRGS
Nilza Rogéria Nunes - Núcleo de Estudos em Saúde e Gênero (NEGAS) - Departamento de Serviço Social -PUC-RIO
Núbia Vieira Cardoso - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Paulo Antônio Barros Oliveira - DMS/FAMED/UFRGS e PPGCol/UFRGS
Paulo Roberto Bonates da Silva - ILMD Fiocruz Amazônia
Renata Laranja Chamun -UFRGS
Roberta Dorneles - EENFSC/UFRGS
Roberto H Amorim de Medeiros - Programa de Pós-graduação Psicanálise: clínica e cultura
Rodrigo Tobias de Sousa Lima - ILMD Fiocruz Amazônia
Rosane Senna Salles NUSP/UFPE
Silmara Conchão - Centro de Estudos de Saúde Coletiva (CESCO) / FMABC
Tatiana Engel Gerhardt - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (UFRGS)
Thayla Rodrigues Correa - UFRGS
Valéria Pereira Bastos - Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Estudos Socioambientais e Comunitários (GRIPES) - Departamento de Serviço Social da PUC-Rio
Victoria Figueiredo Ribeiro – UFRGS
Nova Brasilia: resistencia e saber no coração do Alemão
No alto do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, a comunidade Nova Brasília pulsa história, cultura e organização comunitária. Ela é também território parceiro do projeto “Pós COVID-19 e as Favelas Brasileiras”, com equipe conduzida pela PUC-Rio, que chega para somar com o que já existe de mais potente por lá: a força de quem vive, constrói e transforma esse lugar todos os dias.
Nova Brasília foi escolhida por sua relevância histórica, social e política, sendo um território que enfrenta a violência estrutural e a ausência de políticas públicas, mas que também floresce em solidariedade, cultura e produção de saberes locais.
O núcleo vem realizando visitas técnicas ao território, com mapeamentos preliminares, articulação com lideranças e levantamento de instituições locais.
Quer conhecer mais sobre os territórios que fazem parte da nossa pesquisa? Continue nos acompanhando!



